domingo, 7 de abril de 2013

Apanhar o Expresso Transmongol – De Moscovo a Pequim

Apanhe o épico Expresso Transmongol, cujo percurso se faz numa semana, desde a imponente capital russa, Moscovo, atravessando as estepes da Mongólia e o deserto de Gobi, até Pequim. A sua viagem diária para o trabalho nunca mais parecerá a mesma.
Esta linha estende-se ao longo de quase oito mil km e é uma das três opções disponíveis do que é normalmente conhecido como o Expresso Trans-Siberiano. As restantes linhas são a Trans-Manchúria, que liga Moscovo a Pequim, mas atravessando a Manchúria; e o Trans-Siberiano propriamente dito, que liga Moscovo a Vladivostok. Este último é essencialmente recomendado a apaixonados de comboios, uma vez que oferece consideravelmente maenos pontos de interesse e um trajeto mais longo. O Expresso Transmongol diverge para sul em Ulan Ude, junto à margem oriental do Lago Baikal, em direção a Ulaan Baatar.
Estes trajetos são viagens de comboio propriamente ditas e não turismo de luxo. Prepare-se para se misturar com os habitantes locais e esquecer os confortos caseiros. A composição apenas pára para fazer entrar e sair passageiros, permitindo apenas aos vendedores de petiscos e chapéus de pêlo chegar às janelas nas estações. Não há paragens para ver as vistas. Para ficar em algum local de paragem, terá que sair e esperar pelo comboio seguinte – o que, senão ficar numa cidade principal, poderá demorar mais de uma semana. Se quiser ir por sua conta vai precisar de um bom planeamento, mas há agências que o poderão fazer.

O conceito de uma grande rede de caminhos-de-ferro estendendo-se para leste a partir de Moscovo foi motivado pelas expectativas comerciais após a inauguração do porto de Vladivostok, em finais do século XIX. A linha começou a construir-se em 1891, no reinado do Czar Alexandre III, e a funcionar 15 anos depois, graças à enorme quantidade de mão-de-obra de soldados e prisioneiros. Moscovo é, já de si, uma cidade intrigante, valendo a pena passar uns dias a explorar, antes de subir a bordo. Se o tempo só der para uma curta visita, não perca a espetacular catedral de S. Basílio, na Praça Vermelha, com as suas torres arredondadas e cores berrantes.
Ao subir a bordo do Expresso Transmongol na Estação de Yaroslavki, o pessoal vestido a rigor recebê-lo-á com um sorriso – afinal, eles são simpáticos e farão tudo para ajudar. Dependendo de como tiver decidido viajar, será instalado numa cabina de primeira classe, com duas camas, ou numa de segunda classe para quatro pessoas, com dois beliches. Todos os comboios têm carruagem com restaurante, que muda de acordo com o país em que estiver. Na maioria dos casos, a comida é razoável – na melhor das hipóteses como a de avião.Após deixar Moscovo, o comboio roda em cadência rumo ao leste, atravessando planícies até Yakaterinburgo, cidade fundada em 1721 por Catarina, a Grande, e que é agora um centro industrial. A vida a bordo é, provavelmente, mais interessante do que a paisagem e poderá conhecer russos, siberianos – estes consideram-se um povo à parte, dado que a sua região foi durante tanto tempo um local de exílio -, chineses e uma seleção de outros viajantes com pouco dinheiro. Os russos e os siberianos têm um grande amor pela vida e por todas as suas coisas boas, especialmente vodka. Não passam uma noite sem que se beba esta bebida como pretexto para uma festa algures no comboio.


Alguns dias mais à frente na viagem, depois de atravessar territórios escassamente povoados, interrompidos pela aparição ocasional de uma cidade ou de uma floresta de abetos, chega ao primeiro grande foco de interesse. Logo a seguir à cidade de Irkutsk, um importante centro de comércio, encontram-se as águas do Baikal, o maior e mais fundo lago da Ásia. Com cerca de 645 km de comprimento e 80 de largura, mede 1637 metros de profundidade, o que faz dele mais um mar do que um lago. Contém, aproximadamente, 1/5 da provisão de água doce do planeta. Com uma história geológica de 250 milhões de anos e um número extenso de espécies endógenas, incluindo a foca Baikal, está considerado Património da Humanidade pela UNESCO. Se vai escolher parar em algum local, o Lago Baikal é uma hipótese a considerar.
Mesmo que não tenha tempo para parar, desfrutará de vistas impressionantes à medida que o comboio continua para leste ao longo da margem do lago até Ulan Ude, onde a linha Transmongol se separa das linhas Trans-Siberianas. Com mais de 5500 km de viagem feitos, encontra uma cidade com fortes tradições budistas e um museu histórico fascinante, no qual inúmeros artefactos religiosos – incluindo um belo Atlas Tibetano de Medicina – foram preservados, depois de banidos durante a era soviética. Nas 12 horas que se seguem, ao passar de Ulan Ude para a fronteira entre a Rússia e a Mongólia, em Naushki, penetra num território estéril de estepes, as quais reforçam o aspecto selvagem de todo o percurso.
Se viajou para qualquer lugar nos últimos cinco anos, já deve ter reparado como se tornou hoje mais fácil atravessar fronteiras. Numa tentativa de encorajar o turismo, a maioria dos países reduziram a burocracia e retiraram a obrigatoriedade de vistos. Nesta viagem, recordará como costumava ser antigamente. Os impressos parecem demorar horas a preencher e são depois inspeccionados calmamente pelos funcionários, enquanto se desespera por um carimbo.
Uma vez dentro da Mongólia, a paisagem permanece essencialmente inalterada, mas em breve começará a avistar grupos de gers (as tradicionais tendas redondas usadas por pastores e suas famílias) a preencher os vales e colinas. Quando chegar a Ulaan Baatar, vai estar cheio de vontade de sair e muitos viajantes optam, até, por ficar aqui alguns dias. A cidade em si é um pouco descaracterizada, mas os circuitos que partem da cidade, através das estepes circundantes, são verdadeiras amostras de vida tradicional mongol – poderá mesmo provar manteiga de iaque e leite de égua.
De volta ao comboio, o temível Deserto de Gobi aguarda-o, mesmo a sul de Ulaan Baatar. Será boa ideia manter os olhos abertos pois não irá demorar muito até voltar a ver camelos e mais acampamentos de gers. Ao fim do sexto dia de viagem, alcançará a fronteira entre a Mongólia e a China, em Erlyan. Prepare-se para mais papelada e longas filas, bom como para a cena bizarra que é o levantamento das carruagens para se mudarem as rodas e eixos – a bitola dos carris é diferente na China.
A viagem de 800 km rumo ao sul passa perto da Grande Muralha da China, antes de chegar a Pequim. O Expresso Transmongol é uma viagem invulgar e certamente inesquecível, que lhe trará muitas histórias para contar durante muitos anos.


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